terça-feira, 2 de março de 2010

O Jornal na Escola: superando limites, ampliando possibilidades

1. COM QUE PERSPECTIVAS TRABALHAMOS A LEITURA DE JORNAIS?

 



Uma visão do processo de conhecimento







Quem conhece não deve se contentar apenas com as informações/impressões que pode vir a ter através dos seus sentidos a respeito daquilo que quer conhecer. Isto porque, conhecer pelos sentidos dá conta apenas da aparência das coisas. E o que pode complementar o conhecimento proporcionado pelos sentidos? O que pode fazer com que cada sujeito que conhece ultrapasse a aparência daquele objeto que pretende conhecer?







Para se ir além da aparência, é preciso que se utilize outra fonte de conhecimento: a razão, a capacidade de reflexão, com toda a história do sujeito interferindo na análise que puder fazer do objeto.







Para CHAUÍ (1984, p. 85), a razão é o instrumento de que dispomos para avaliar a coerência (ou incoerência ) de um pensamento ou uma teoria em relação a eles próprios. A razão de que estamos falando não é uma razão dura, fechada, mas inclui, no dizer de Zaccur (1997, p. 16), atitudes do tipo: a escuta à imaginação e à intuição, a ousadia para experimentar riscos, a sensibilidade para reconsiderações, a paciência para o trabalho do pensamento, a atenção aos insights e a astúcia antecipatória.







Se o Jornal apresenta uma determinada interpretação da realidade, o leitor, ao lê-lo “criticamente”, deverá interpretar a interpretação do Jornal.







A crítica se constrói mediante o exercício da própria crítica. E essa não surge já na forma de uma avaliação já criteriosa, científica, fundamentada. À medida que os alunos, analisam, comparam, dão sua opinião, escolhem (de acordo com seus próprios critérios)..., eles estão aprendendo a criticar. E isso pode começar desde sempre. Na escola, pode ir sendo ensaiada desde que a criança passa a freqüentar as turmas de Educação Infantil...







Olhando, manuseando e conversando sobre o jornal, a criança pode observar o texto, as diferenças e semelhanças, o espaço destinado ao texto e às ilustrações, as cores, a charge e a notícia à qual se refere, o preço, as sensações que lhe causam as palavras que cada jornal emprega, o nome de cada jornal, etc.







Sob a orientação do professor e com o próprio exercício dessas primeiras incursões no âmbito da atividade intelectual, a criança vai aperfeiçoando a sua capacidade de criticar. Começará do aparente usando os seus sentidos e obtendo dados empíricos sobre o Jornal para atingir aquilo que esta mesma aparência esconde.







Mesmo que saibamos que não existe uma fórmula única de se fazer a crítica, pois que isto negaria a própria natureza de um processo de reflexão que se pretenda crítico, é possível pensarmos em algumas “atitudes de investigação”:











 Não se sentir satisfeito com a primeira impressão. Reler, comparar, analisar, buscar outras fontes.







 Estabelecer vínculos entre as várias impressões sobre um dado texto. Tentar superar, pela reflexão, os pontos aparentemente desconexos e incoerentes (ou extremamente coerentes, vistos por apenas um ponto de vista ). Perguntar-se sobre o que os aproxima e afasta, deixando de lado os raciocínios maniqueístas (do tipo “ou isto ou aquilo”). Às vezes, numa mesma edição de jornal existem outras matérias (artigos, charges, editoriais, etc.) a respeito do assunto sobre o qual se lê e que o complementa ou questiona.







 Com relação ao jornal como um todo, tentar perceber os destaques e os não-destaques. Buscar semelhanças e contrastes. Estabelecer vínculos entre as notícias.







 Sobre as causas apresentadas para um dado acontecimento, procurar outros possíveis fatores condicionantes para o mesmo, ou em outras notícias do próprio jornal ou em outras fontes.







 Diante da informação sobre “o que houve”, indagar-se sobre “o que não houve”. Ou sobre o que “pode ter havido também”. Olhar os fatos “pelo avesso”.







 Verificar se a informação dá conta da simultaneidade de fatores determinantes para um dado fato. Lembrar-se de que a vida não é linear, mas um tecido onde fatores e estruturas, simultâneos ou não, pesam e interferem. Não cair na tentação, então, de fazer relações mecânicas ou simplistas. Um fato pode decorrer de vários fatores, mesmo que o jornal não dê conta de abordá-los todos. Até porque jornal não é livro nem revista.







 Buscar um conhecimento inter-pessoal, na troca de idéias com outros leitores.







 Abandonar as generalizações apressadas e as afirmações categóricas e absolutas sobre o texto que lê. Retornar a ele. O conteúdo da matéria significa, de fato, um detalhamento do seu título?







 Verificar quem foi fonte para a montagem da matéria e indagar-se sobre seus perfis e/ou filiações a grupos ou correntes de pensamento.







 Lembrar-se de que a nossa sociedade é bastante marcada pelo individualismo, pelo imediatismo, pelo consumismo. Procurar, então, verificar até que ponto o Jornal, como parte dela, confirma tais valores ou tenta superá-los.











• Uma concepção de Leitura







Alguém já falou que existirão tantas formas de leitura quantos forem os autores e leitores vivos, passados e que ainda estão por vir a este mundo. E é verdade: diante de um mesmo texto, cada pessoa reage diferentemente, em função de sua própria história.







Ler é atribuir sentido ao texto que se lê. E, nessa perspectiva, nem é a Linguagem que subordina o leitor e nem é esse quem domina completamente a Linguagem. Por isso, um texto, qualquer texto, admite múltiplas reações diante dele, não existindo uma leitura boa e correta e outra má e incorreta.







Do mesmo modo que não existe um autor que possa resguardar a sua produção escrita da influência de sua história, de suas preferências e de seus valores, o leitor leva para o seu momento de leitura a sua forma de viver, pensar e sentir.







O Jornal e seus textos regulam as interpretações, administrando a memória coletiva. Nas mãos dos alunos, esta força da Imprensa precisa ser avaliada e reconhecida. A leitura de jornais em sala de aula, então, deve ir além do uso de recortes de matérias jornalísticas específicas para enriquecer este ou aquele momento do currículo. Ler jornais deve significar a construção de escolhas do leitor diante dos vários autores que escrevem no Jornal. Dialogando com cada um, sabendo-se portador do direito de compreender desta ou daquela forma, tentando reconhecer os limites e possibilidades de cada qual – autor e leitor – diante da sociedade que os comporta é das mais raras e bem vindas aquisições para o aluno que lê jornais em sua escola.







Para o professor, então, é importante:







 não esperar pelo leitor-aluno ideal, que sabe e lê o que o professor quer que ele saiba e leia;







 procurar ouvir e observar o aluno-leitor para que ele indique por onde começar a leitura;







 ir além deste ponto;







 trabalhar o jornal em seu todo: analisar cada recorte em sua editoria, caderno, etc.;







 tentar articular cada notícia com outras de uma mesma edição (ou não );







 Não deixar que a informação que o jornal traz seja suficiente para a compreensão da realidade. Conversar – e muito – sobre ele;







 Colocar o jornal inteiro nas mãos dos alunos, nunca utilizando apenas um veículo; e







 e não ter preconceitos: articulando várias informações, explícitas ou implícitas, oriundas das mais diversas fontes, é que iremos compor uma informação mais completa











• E como compreendemos o nosso potencial de intervenção diante de nós mesmos, do mundo, do processo de conhecimento, da questão da leitura...?







Afinal, qual é o nosso poder de interferir e agir em prol da mudança e da humanização? Na atual conjuntura, dá para imaginar alguma forma não acomodada de viver?







Entender a vida e suas questões é fundamental para todos, alunos e professores, pois, sem compreender seu contexto e, nele, os seus limites e possibilidades de intervenção, o ser humano torna-se reduzido em sua capacidade de participar, de escolher caminhos, de definir formas de viver e de agir.







Agindo nessa direção e analisando mais detidamente o poder de cada um interferir, a escola estará ajudando a se perceber que:







 não somos vítimas ingênuas de um contexto perverso;



 nem somos autônomos em nossas escolhas nem somos passivos diante das escolhas que são feitas em nosso nome;



 apesar da força dessas escolhas que vêm prontas para cada um, cada qual pode produzir escolhas alternativas;



 não desistindo de produzir escolhas, pode-se exercitar o direito de se querer outras coisas e de se continuar sonhando com um mundo menos perverso, mais humanizado, mais generoso;



 tal conquista é árdua e a leitura pode funcionar como instrumento que facilita construir melhor o caminho;



 dentre os materiais de leitura, destaca-se o jornal, cuja leitura, por certo crítica, é muito importante de ser feita, já que tal veículo é um dos instrumentos que nos faz pensar como pensamos, querer o que queremos, sonhar com o que sonhamos, agir como agimos.







Disso tudo, concluímos: nem vítimas nem sujeitos – idealizados e a qualquer custo – da História! Seremos sujeitos da História, de verdade, se olharmos bem com esta História se desenrola, suas forças, seus personagens, seu movimento, suas tendências, suas versões, seus discursos, sua multiplicidade... Aí, sim, com base nos nossos sonhos, poderemos – e sempre coletivamente – ir transformando o status quo, estruturando uma nova forma de viver, melhor para cada um e para todos.







Como não somos os únicos a determinar os resultados de nossa própria ação, tanto um aluno-leitor pode passar a gostar de ler porque foi proibido de ler um determinado livro na infância como porque foi estimulado a ler pela família. Tanto se pode passar a gostar de ler porque se iniciou na leitura lendo no jornal sobre futebol, novela ou horóscopo (assuntos pouco nobres...) como porque se viu o pai ler sobre economia (Ah! que assunto nobre!!). Nós caminhamos atrás de probabilidades, mas nada é garantia de nada...















2. O que é o Jornal?















O Jornal é um meio de comunicação social que informa e opina, possibilitando aos leitores um tipo de conhecimento acerca dos acontecimentos mundiais, ao mesmo tempo em que, por representar, de um modo geral, os interesses das elites dirigentes, forma a opinião do público em direção aos interesses desta camada social privilegiada. O Jornal é uma mercadoria, produzida para ser vendida ao público e que precisa possuir determinada forma e determinado conteúdo para que encontre quem o compre, na competição com os demais jornais. Nessa perspectiva, o Jornal, para se vender, é estruturado de acordo com algumas técnicas que o tornem atraente diante do possível comprador.







Numa tentativa de sintetizar o caráter contraditório do jornal, temos que há uma relação dialética entre os seguintes aspectos:







• informação e opinião: ao mesmo tempo que informa, o jornal dá a sua opinião sobre os fatos;



• interesse ideológico e interesse mercadológico: nem a linha editorial submete completamente o interesse do jornal em vender seu produto nem o contrário. Há uma relação entre ambos os aspectos.



• jornalistas funcionários da empresa e seus proprietários: o jornal não se resume aos seus proprietários. Cada empresa jornalística vive da credibilidade que tem diante de seus leitores. O pluralismo, então, faz parte de sua própria natureza.



• Desse modo, nem mau nem bom: o jornal é uma interpretação da realidade a ser interpretada pelo leitor, por mais que nele seja predominante uma análise linear dos fatos, por expressar a forma de pensar que é mais marcante na sociedade em que se situa.











3. NUMA PERSPECTIVA CRÍTICA, QUAIS SÃO OS BENEFÍCIOS DA LEITURA E USO DE JORNAIS EM SALA DE AULA?











São inúmeras as possibilidades que se abrem com o uso do Jornal e que podem justificar o seu uso na Escola, seja em suas salas de aula, seja em suas salas de leitura ou bibliotecas:











• A formação de leitores. O Jornal, dos mais aos menos conservadores, forma opinião de seus leitores. Propiciar aos alunos a realização de uma leitura crítica de seu conteúdo e forma é uma condição para inseri-los numa cidadania consciente, a cidadania dos que se fazem éticos e que, portanto, quando fazem suas opções, escolhem sabendo porque o fazem.







• O aprendizado informal da Língua em suas diversas nuances. O Jornal permite o manuseio da língua materna de forma viva e atual. Nele nós temos não apenas as notícias, tratadas de uma maneira mais objetiva e clara, como também a linguagem literária nas crônicas e matérias afins nele estampadas, a propaganda, etc.







• O inventário da realidade. O Jornal facilita, pelas notícias que expõe em suas páginas, o inventário de questões do cotidiano, indispensáveis para um currículo centrado na vida do aluno e no mundo do trabalho. A vida atual, com suas contradições, avanços, recuos e perplexidades, está nas páginas do Jornal, mesmo que sua apresentação tenha sido “filtrada” pela dimensão opinativa do veículo que se lê.







• A contribuição para o diálogo em classe. O Jornal facilita e amplia as formas de expressão do aluno, não só pela observação de suas imagens e palavras como também pelo debate que pode gerar em classe, entre alunos e professores.







• O estímulo à cidadania. O Jornal, por sua atualidade, é um precioso recurso didático, podendo ser aproveitado pelas diversas disciplinas que integram o currículo para vincular o cotidiano escolar ao cotidiano social.







• A possibilidade da articulação entre as disciplinas O Jornal, pelo caráter amplo de suas notícias, pode prestar-se, de maneira bastante significativa, para um trabalho multidisciplinar onde, a partir de uma temática, as várias disciplinas se reúnem para estudá-la de modo mais articulado e que supere a fragmentação do processo de conhecimento.







• A abertura a outras leituras. O Jornal pode aproximar os alunos de outras leituras, pois que, lendo o Jornal, o aluno pode vir a se interessar pelo livro, o que se constitui num enriquecimento que amplia, por certo, os horizontes da cidadania. Há professores e bibliotecários, inclusive, que já vêm fazendo um trabalho bastante interessante nessa direção, colocando à disposição de seus alunos vários títulos de literatura infanto-juvenil que abordam temáticas tratadas nos jornais lidos ou debatidos em classe.







• A superação de uma visão unilateral pelo contato com o pluralismo. É da natureza do jornal apresentar mais de uma opinião sobre os fatos. E isso ajuda o leitor, inclusive, a buscar outras opiniões e acréscimos para a informação.







• O respeito ao pensamento divergente e a conquista da tolerância. Conseqüência quase que natural da possibilidade anterior, que se abre com a leitura de jornais.







• O contato com a Cultura e a Arte – o acesso às informações sobre os bens culturais que são notícia estampam-se nas páginas dos cadernos culturais dos jornais e pelo menos dão contam aos leitores daquilo a quem têm – ou não têm – acesso. É esclarecedor.







• Informação sobre assuntos que ainda não estão nos livros didáticos.







• Enfim: os jornais informam. E, mesmo que informação não seja conhecimento, mas apenas um instrumento que auxilia na construção de novos conhecimentos por quem lê, é uma base importante para que, a partir dela, se reconstruam os fatos, se leia a vida, se interpretem os acontecimentos.































4. E AS DIFICULDADES A SEREM SUPERADAS?















Existem características do Jornal que uma educação crítica deve ajudar a superar.



Se há muito a explorar no Jornal, pelo que vimos, isso, no entanto, não é absoluto. Também o Jornal não é uma coisa só, sempre. Ao lado de seu “lado bom” para o currículo escolar, é preciso se adentrar em seus limites: estes que precisam ser superados no cotidiano da prática de sua leitura, envolvendo alunos e professores. Vejamos alguns deles:







• A questão ideológica: Só a leitura crítica do jornal, pelo leitor, pode a ele devolver a sua capacidade de ser sujeito da leitura (e da vida...), pelas tentativas que empreende para efetuar a reconstrução da notícia, de tal modo que experimente a sensação de se aproximar, cada vez mais, do que, de fato, aconteceu.











• A estrutura fragmentada. Como bem afirma Ciro Marcondes Filho, a fragmentação







produz igualmente ‘mentalidades fragmentadas’ , diluídas, difusas, que vêem o contexto social, a realidade social , sem nenhum nexo, sem nenhum fio ordenador. Para a mentalidade fragmentada, a fragmentação noticiosa cai como uma luva.



Os processos fragmentados de transmissão noticiosa quebram a lógica dos fatos entre si; estes são tomados no seu aparecimento imediato e perde-se a dimensão de uma totalidade que os subsuma e os explique. ( 1989, p.p. 40/41 ).











A passagem desse estágio de leitura, este que não permite perceber o vínculo entre as notícias, para o de uma leitura mais articulada e para além da aparência, capaz de estabelecer nexos entre os fatos, em seus significados e motivações mais e menos nítidos, exige um processo de educação, intencionalmente estruturado para habilitar cada aluno-leitor a superar o seu estágio inicial de leitura por um outro, crítico, abrangente, profundo, desvelador, poderíamos até dizer...







• O imediatismo e o simplismo. Se se quer contar apenas com o Jornal para se conhecer um assunto, esse conhecimento pode tornar-se precário, pelo imediatismo com que são apresentados e discutidos determinados temas. Um conhecimento mais completo acerca das coisas exige que se perceba o processo histórico que as envolve, as contradições presentes em torno das mesmas e as tendências que se evidenciam com respeito a elas. No Jornal isso nem sempre é possível de se encontrar. Apenas as reportagens de maior fôlego podem escapar dessa forma menos abrangente e profunda de se narrar os fatos vividos.







• A linearidade de análise. São várias as questões que envolvem cada fato e sob vários ângulos cada qual pode ser analisado. No Jornal, isso nem sempre pode ser percebido, seja pela urgência de se montar a edição diária, seja pela própria forma de “olhar” e narrar o mundo que caracteriza a grande imprensa, qual seja, a de se deixar seduzir por uma lógica formal e idealizada, nem sempre coincidente com o jeito da vida ser, de fato marcada por contradições.







• A individualização dos sujeitos. De um modo geral, quando o Jornal apresenta quem estava envolvido na notícia, dá destaque a pessoas e não ao segmento, classe ou grupo a que a mesma pertence ou representa. Com isso, ficam diluídos os conflitos de classe, o jogo político entre grupos, as divergências e aproximações entre segmentos sociais. Essa forma particular de apresentação dos fatos, dificulta a compreensão do mesmo, pelo leitor.







• As generalizações. Não é raro que o Jornal tome a parte pelo todo: “O Rio para contra a impunidade” (referência a uma passeata feita na Barra da Tijuca, um bairro da cidade da capital do estado ); “Esquerda opta pelo voto no candidato do PFL”, ( quando se tratava da opção de um artista de TV pelo tal candidato, também no Rio de Janeiro, nas eleições para a Prefeitura, em 1996 ).







• A prioridade às fontes oficiais. O jornalismo brasileiro é intensamente marcado por uma escuta demasiada aos discursos oficiais. É o ministro, que é candidatíssimo a alguma grande Prefeitura, mas que “esconde o jogo” e nega veementemente tal possibilidade; é o deputado Fulano de Tal que precisa que tal ou qual projeto seja aprovado para cumprir compromissos assumidos com seus eleitores, mas que não quer deixar evidente as articulações políticas que vem fazendo para obter apoio à sua iniciativa, e também não “abre o jogo”; e por aí vai... Desse modo, o leitor acaba tomando contato com a dissimulação, o que, por certo, não é a maneira mais indicada de se saber a verdade dos fatos...







• As dificuldades de linguagem. Algumas editorias de alguns jornais de grande circulação apresentam uma linguagem de difícil compreensão. Dessa maneira, o maior mérito do Jornal é o de se constituir em um veículo primordial de atualização de informações mas não de introdução de novos assuntos, sobre os quais o leitor não tenha algum conhecimento anterior..







• A opinião embutida na informação. Em todas as escolhas que faz, com relação às palavras e imagens de que se utiliza para informar, e até mesmo na escolha das dimensões e localização das matérias que inclui em suas páginas, todo o tempo o Jornal está selecionando meios, conteúdos e formas de veicular seu ponto de vista a respeito dos fatos que divulga. Essa é uma importante razão para na escola os alunos aprendam com seus professores a ler e interpretar as notícias dos jornais.







• A aparente auto-suficiência. A simples leitura de jornais não torna os seus leitores com a necessária informação sobre os fatos. É preciso buscar outras fontes. A informação fragmentada, analisada de maneira linear e apresentada desvinculada das diversas influências que as determinam, sem dúvida, é uma informação que precisa ser reinterpretada. Por isto, é fundamental conversar sobre as notícias de jornal...







• A naturalização de fatos que são construídos historicamente. Algumas vezes, fatos que acontecem em função do movimento histórico das sociedades, são descritos como se fossem fatos de um outro tipo, naturais. É como se não houvesse uma outra possibilidade para que aquilo se desse. Seria assim mesmo e pronto. Desse jeito, para o leitor fica dificultada a compreensão de que ele próprio, enquanto cidadão, tem poder para mudar os rumos dos acontecimentos.







Diante de tantos e diferenciados limites, o Jornal precisa ser trabalhado no interior das escolas. Somente uma ação pedagógica bem planejada, desejavelmente discutida coletivamente pelo maior número possível de professores de cada turma, é que se pode transformar num instrumento de leitura crítica por parte dos alunos.







Leitura de Jornal deve ser aprendida na Escola. Não acontecendo no espaço escolar, quem se responsabilizará por esse fundamental aprendizado, indispensável mesmo para a configuração dos alunos como cidadãos que opinam, decidem, intervêm?











5. COMO CONHECER MELHOR O JORNAL?















Conhecer de maneira mais completa o Jornal exige o conhecimento da relação entre tal veículo e a sociedade que o contém, entendendo por sociedade o conjunto das forças que nela de antagonizam, a distribuição do poder que nela se verifica, a identificação dos detentores do poder ideológico. Tudo isto que forma a sociedade existe em relação ao Jornal, condicionando, mesmo que de forma não absoluta, a forma dele ser e se estruturar, na medida em que este veículo se vincula - mais ou menos - à estrutura de poder vigente.







Ao lidarmos com o Jornal, podemos encará-lo como fonte de informação para conhecermos uma dada realidade ou fazendo dele próprio objeto de nossa crítica. Ou de ambas as formas...







O Jornal é uma versão da realidade que precisa ser desmontada, analisada, criticada, superada em sua aparência, articulada ao todo sócio-econômico-político, de forma a permitir que venha à tona uma outra realidade, aquela que foi pensada e que foi construída por quem a conheceu com a sua crítica.







Do ponto de vista do leitor, o Jornal traz a realidade ainda “crua” e irrefletida, à espera de um pensar mais orgânico sobre a mesma, capaz de torná-la mais compreensível em seus determinantes e características de maior peso. É como se, de saída, se tivesse sobre ele uma visão imediata e desorganizada e que, com a crítica, atingíssemos uma forma de elaboração superior, forma esta que nos faz aproximar de nossa condição de sujeitos históricos. Criticando, conhecemos. Conhecendo, optamos. Optando, construímos saídas, alternativas, estratégias propícias à humanização do Homem.



















6. COMO USAR O JORNAL NA ESCOLA?















A trajetória mais comum encontrada entre os professores que se utilizam de jornais em suas salas de aula é a de buscarem tais veículos como recursos didáticos para suas aulas, diante de uma necessidade, em geral, imediata, no preparo das suas atividades pedagógicas. Seja o professor que precisa de um artigo para debater os gêneros literários, seja aquele outro que busca exemplos de preços atualizados para trabalhar com os alunos alguma das operações fundamentais, seja um terceiro que aproveita uma charge para discutir algum tema de Ciências, de um ou outro modo, o que mais se encontra são professores preocupados com suas disciplinas específicas e com os conceitos mais ligados diretamente a elas. Tempo disponível para abandonar a “sua” disciplina em sua parca carga horária, em geral curta para o tamanho da programação a ser desenvolvida, poucos têm. Ousaríamos até dizer: quase ninguém tem ou se dispõe a ter. Ler o jornal com os alunos, dar-lhes a conhecer o que sabe da Imprensa, apresentar a estrutura dos jornais, os cadernos, discutir a sua natureza contraditória, isso, no mais das vezes, fica esquecido, já que não é diretamente afeto a nenhuma das disciplinas. Quando muito, toma-o para si o professor de Língua Portuguesa, numa única série, quando o programa inclui esse tipo de assunto. Ou aquele professor que “tem mania” de juntar recortes dos exemplares que vai lendo.







Perguntamo-nos, então: a quem cabe debater com os alunos o papel da Imprensa, hoje, esta que até é considerada, por sua significativa influência no pensar e agir das pessoas? Ao que tudo indica, a temática fica silenciada, à espera de algum professor, talvez um leitor de jornal, talvez um professor de História ou de Filosofia, que compreende mais nitidamente o quanto somos o que somos por influência dos meios de comunicação, instrumentos marcantemente engajados na permanência da sociedade em seus valores, padrões morais, costumes, jeitos de ser, crenças, consensos...







Para agravar esse quadro, dificultando um pouco mais uma aproximação sistemática e crítica dos alunos em relação ao jornal e à sua forma de ser, existe o fato de que muitos de nós que se utilizam do jornal em sala de aula não levam diretamente o jornal impresso para ler com os alunos, mas apenas recortes contendo a matéria que serve ao interesse imediato do ponto do programa a ser estudado. O jornal mesmo, o veículo como um todo, com suas editorias, seções, manchetes, chamadas, cadernos, este quase nunca chega às salas de aula.







O compromisso prático de formar leitores, de formar cidadãos, de formar autores não deveria trazer implícita a necessidade de colocar cada aluno em contato com a Imprensa, com a mídia impressa, em particular, para que se ampliasse a compreensão desses leitores – cidadãos-autores –, acerca de si próprios, do mundo e das pessoas?







Uma possível superação a ser experimentada é a do professor, sempre que utilizar jornal em sala de aula para ensinar algo (utilização do jornal como recurso didático), também analisá-lo de maneira mais ampla e profunda. A proposta, então, é a de sempre se PROMOVER A LEITURA do próprio veículo. Caso o professor não o faça, os alunos poderão estar tomando as notícias como verdade absoluta, sem criarem em si próprios a capacidade de análise crítica.



Texto básico: LOZZA, Carmem. O Jornal na Escola: superando limites, ampliando possibilidades. Curso para Coordenadores 2008. Apostila impressa, 2008.